quinta-feira, 17 de junho de 2010

terça-feira, 15 de junho de 2010

Kaze

O sol está se pondo. O vento balança a árvore a frente de minha janela. A mesma árvore há 23 anos. A vida, lá fora, ao longe, pulsa. Aqui dentro, apenas o rascunho de uma aspirante a viva. Uma melodia angustiante repete-se infinitamente. Notas graves tocam a minha dor, expondo a minha vergonha. Os meus olhos, mais cansados... As minhas ilusões, mais fracas...
Enquanto for o tempo, a vida que não muda. O “eu” que não aceita. As duras penas, o pés sangrando. Sem mais uma oração. Sem mais um deus. Sem nenhuma esperança. O ontem, melhor que hoje, o futuro que nunca chegou. Os passos na estrada. A música continua, não para, e nós caminhamos, para o nada.
Imploro ao vento que me acaricie, uma vez mais. Não retires, tu também, o que me destes. Ah... sinto-o entrando, balançando a cortina, levantando os meus cabelos, fazendo doer o que escondo. A ansiedade. A vida. A morte. O fim. A esperança. Sempre haverá esperança. Nas mais sangrentas batalhas, esperamos, esperamos, esperamos um milagre.
Esta sou eu. A garota que pediu um milagre. Dói. Queria partir-me como essas notas que descem, essas cordas, esse teclado, amarelado, tão triste, tão lento. Dói. E eu peço para que o vento me leve. Que espalhe a minha melodia. Que dissipe os meus medos e eleve minhas esperanças.
Silêncio.
Talvez o vento também tenha se cansado. E eis que ouço o farfalhar das folhas. Eis que estou a postos, a espera, do vento. Brisa renovadora que sempre me visita. Não há quem me conheça mais, além de ti. Vento.
Que corta o meu rosto, violenta meus olhos... Vento, que me viu chorar as partidas, que enraizou em mim a solidão.
Está sempre por perto. Chego a ver a tua face. A noite se apressa em cobrir a terra, e eu mergulho na dor. Na dor de ter uma dor. Na dor de não ter nada. Na dor de sentir saudade da esperança.
Lanço a mim um olhar de repulsa e argumento, mas imploro que o vento me ache. Por essas ruas, becos e avenidas, por favor ache-me, me acaricie. Não me deixes tu também. E, a música diz-me que me entende. E expressa a minha angustia, e me faz sofrer, por espelho. Do pó que vim, do nada que sou. Da dor sem fim. Da dor sem dor. Do eu sem mim.
Já agora a arvore é apenas uma silhueta a minha janela. Vejo-me, eu enxergo a dor em meu peito e poderia até pegá-la se erguesse o meu braço com vigor. Os dias ainda são coloridos. Outrora foram cinza. Amanhã, eu não sei. Tenho a terrível sensação de estar esquecendo algo. O meu peito revolve em dor. Rasgo-me. Estilhaço-me a procura. E caio, de joelhos, prostrada. Sem nada. Nada.
Mas eis que me vens, vento, e sussurras ao meu ouvido. Os meus joelhos ainda tremem. Resignada, levanto-me da sarjeta em que me encontrava.
Ontem, perguntei-me, pela primeira vez , “o que estou fazendo aqui?”, e você estava comigo, foi testemunha ocular da minha ação desesperada. Mas tão sincera. Tão verídica. Tão latejante. E eu fui embora, e ao meu redor, tu dançavass, estavas frio, é verdade. Mas eu queria sentir frio, queria sentir minha pele enrijecer. Por favor, eu te pedi, faça com que eu treme.
E, fomos nós, para um lugar, onde eu pude me entregar a dor. E eu fechei a janela ti deixando do lado de fora, mas eu escutava a tua voz, as tuas palavras. Sei que muitas coisas tens visto, e eu sei que sou a tua preferida. Por isso nunca me abandonas. Se eu não te tiver, vento, quem mais terei?
Sou cárcere da minha própria punição. Tu és o meu único refúgio. Neguei a mim mesma, tantas vezes! E, sempre voltei, incapaz de me enquadrar. E lá estavas, a minha espera.
Essa dor, que cresce, como uma música, levando-me ao extremo. Sofro.
Já não há nada na janela. Nem vultos, nem árvores velhas. Mas há a tua voz. Ecoa, e ecoará por toda a eternidade. Chorarás com a minha partida? Leve-me com você.
E dói. E eu corro.E continua doendo.
A lua sorri do céu. Encolho-me diante da minha solidão. E dói. Eu sofro. E eu nada.
Sopre mais uma vez. Derrube os meus alicerces. Leve-me ao pó.
Acaricie-me mais uma vez, por toda a eternidade, mais uma vez, para sempre. Meu único amigo.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A Maria Lucia

À parte o exagero
que nos acomete
e mais o desvelo
vão – que não se mede

em ti, por qual for
a dita medida –
terás mais amor
que eu em toda vida

Por isso cantar,
em verso, a feitura
de teu claro mar

Verso em escultura,
no que mais me cabe:
tua face, o mármore


1.

A face austerizou-se
à antevisão do medo
à ante-sala o vendo
(e ao corpo) amotinou-se

No quarto que há memória
junto a si conjugou-se
em vento que a trouxe
o corpo nu à história

Mares e males passados
do corpo desusado
a casa merencória

Mas o que mais é ela
do que mudar a cela
que é a vida, a incógnita

2.

Tua face austera
como vento austero
que se supõe vê-lo
em não o ver o gesto

A curva do sopro
o que molda as faces
cuja ponta da haste
é teu vasto corpo

de vento e de ar
pela aléia fria
margeada a campina

crescendo pra lá
donde sopra o vento
teu corpo em movimento

3.

Tua face é a preclara
voz a que nos vem do vento
é a voz que se declara
e proclama o próprio tempo

É, a sua anatomia,
esculpida em pedra andante
mais firme ante a revelia
do que a vida ante o instante

Eterno escultor aéreo
de seu alto templo azul,
ao corpo austero e sério

donde arranjaste modelo
tão disperso do que és tu?
– monumento a um momento

4.

Tua face austera:
copiosa face
aos espelhos nasce
no vidro em cela

Tua face em parte:
flor ao solo negro
de outros mares secos
no vidro refrate

Tua face espelho:
avesso do avesso
ao que tens por dentro

Tua face face:
macilenta carne
que te fazes arte

domingo, 6 de junho de 2010

Silêncio


Abriu a janela com ímpeto ao ver surpresa a claridade alaranjada de fim de tarde. O sol estava se pondo em algum lugar. Algum lugar longe, mas logo ali, no horizonte da janela. Engraçado, estranho e melancólico, ver que o sol ainda estava a brilhar. Aqui ali, no horizonte da janela, as nuvens gordas e espessas, rosadas, enxofre, alguém uma vez disse. O sol estava se pondo logo ali. Engraçado, aqui fazia tempo que já era noite.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Infinito Eu

Todo o mundo torna-se silencioso para que o som que ecoa infinitamente possa alcançar o mais longínquo poro do meu corpo. Um som... Se é interno ou externo eu não sei. Talvez tenha se misturado tanto, se fixado tanto em minha alma que já não é possível distinguir se é latente ou se é fator externo, forte é, no entanto, para me fazer duvidar e hesitar sem fazer separação. Por que o mundo silenciou também? Gostaria de saber do por que todas as coisas se aquietaram de sua tão costumeira agitação. Uma resposta chega-me ao ouvido. Uma voz tão poderosa que perco minhas forças e já não consigo andar. O sangue nas minhas veias perde o curso e confuso também pára, talvez ele próprio também esteja a espera... E olho por sobre os ombros e olho à minha frente e uma expressão de espasmo perpassa pelos meus olhos, rendida apenas ouço.
Tudo é tão quieto.
O som continua. O vento abraça-me levando-me a ficar ainda mais muda. Completamente silenciosa.
O silêncio e o vento. O som continua inebriando-me a tal ponto que sinto entender todas as motivações do mundo. Todos os mecanismos. Todos os atos de bondades e abandono. A lucidez me saúda e reconheço-a, para o meu espanto. Simplesmente entendo as coisas. Sua ausência e minha angustia. Silencio sóbria. Calo-me mais profundamente do que o mais profundo silêncio, numa maturidade antiga que se revela dentro de mim como se me pertencesse muito antes de eu nascer... Envelhecendo cem anos sinto-me fora de órbita.
Meus passos seguem fracos. Entendo a minha posição continuamente solitária. Eu até rio. Aceito. A respiração pesada causa-me aflição. Deixo-me sentir. Deixo o vento me acariciar e quero poder cair em sua proteção, vento. Quero deixar minhas pernas fraquejarem, já que estão terrivelmente fracas, e cair e ser amparada por ti, vento. Eu sigo e o som permanece ressoando e ecoando sem fim, dançando ao meu redor, vendo-me como não me vejo, olhando-me como sempre quis ser olhada. Eu fecho os meus olhos e quase sorrio. Um prazer percorre o meu corpo e sinto-me conectada com todo o mundo. Os meus olhos se abrem e tudo está quieto, mas o som me olha e me vê e deixo-me ser vista, sem nenhuma resistência, sem lutar, aliviada por ter sido encontrada e compreendida. O som que me encontrou e me abrigou me abraça, sinto suas mãos em meus cabelos e dedos em minha nuca e a respiração continua enfraquecendo e o coração descompassado entra no compasso da melodia, deixando-me exausta e extasiada, fora de mim, partindo-me em milhares de cacos. O som, ao torno de mim, gira, espantando o mundo e levando-me para o meu eu abandonado e desconhecido... Me acolhe, me acalenta, silenciando os meus medos enquanto descanso nos seus braços de Aceitação. Os meus passos querem parar e eu paro. E todo o mundo está tão quieto e eu fecho os meus olhos e até meus órgãos decidem silenciar, parando. Já não sou e nem há o que ser. Sumo. As imagens que permanecem insistentemente em minha mente vão esvaindo-se como névoa e eu me perco e o som continua levando-me pela mão pelos labirintos do meu eu e suas imagens passam por mim lentamente e eu estendo os meus braços para tentar Te alcançar e tu te esvais, como fumaça. Minha mão direita permanece sendo puxada pelo som e eu sigo obediente vendo teu rosto desmanchar por onde passo e vou seguindo e seguindo até alcançar a totalidade do silêncio, onde meu eu fragilizado e nu, segue fortalecendo-se pelo som infinito que me leva e eu vou seguindo, me esvaziando e seguindo, seguindo. Já não vejo imagens sua nas molduras da minha mente e agora o infinito espaço do meu eu está vazio e silencioso. Eu sinto uma água fresca nos meus pés e é tão infinito e eu amadureço e emudeço e vou me deixando levar e sendo levada e agora eu quero e preciso continuar com isso para me afastar. Para encontrar nessa maturidade força o suficiente para ser auto-suficiente e seguir, seguir, seguir, sempre só. Sempre só. Na sombra de tuas melodias, Vozes. A sua ausência me enfraquece, mas o som me leva e eu olho para trás e nada vejo, nem a sombra da fumaça das tuas lindas imagens, amor.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Modo Poético (II)

Um poema (do nada):
vaga anatomia.
Quando a merencória equação
se resolverá?
Infindável incógnita
matemática.
Ara e semeia
a seara – poesia.
Colhe a palavra
fruto,
sentido e forma
afora –
Ah, voluptuosas
curvas da metáfora,
há quanto resisto
a tua investida imprópria,
a tua fácil carcaça?
Há quanto
roço-me em tua
epiderme,
teus beiços e tuas tetas
e mesmo assim
te manténs inviolada?
Poesia incauta,
dedico a vida
atrás da perfeição –
porém sequer
lhe distingo
a feição, a silhueta.
Escarro sobre
a folha
o que me resta,
estas palavras
hepáticas,
amarelecidas –
um rastro vago
do que seria poesia.
Duvidá-la,
a ela de si mesma,
subtraí-la.

Eis a única
ideia válida
que o rebuliço
do meu pensamento
um dia pariu.
Já o resto...
o que vale
o resto de quem
as sobras são
o suficiente?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Palidez

E novamente e aqui e de novo e nada muda e em silêncio permanece e continua permanecendo e todas as coisas parecem fora do lugar embora estejam onde sempre estiveram. E olha-se por cima dos ombros e olha-se no espelho verificando se as coisas estão onde deveriam estar e olha ao redor examinando o quarto e as prateleiras continuam com suas poeiras e as sandálias continuam viradas atrás da porta. Transita pela casa observando os espaços em busca de algo que justifique a agonia e ansiedade. Volta para o quarto, examina a bolsa e olha-se no espelho e os olhos continuam no lugar, o nariz ainda é o mesmo, um pouco grande, no centro do rosto. A cama está um tanto quanto franzida, um copo com água pela metade em cima da mesa, um lápis, uma xícara de café com seu líquido velho e sujo, esquecido há dias, causando asco. Nada. Quase leva um susto e força a memória para tentar lembrar. Mas lembrar de que? Jamais soube. Franze o cenho e olha-se novamente no espelho e anda pela casa e abre a geladeira e volta para o quarto e olha pela janela e vê a árvore balançar com o vento. Troca de música, mas também não é isso. Mastiga qualquer coisa encontrada na geladeira. Olha ao redor. Tenta ser feliz. Não dá certo. Tenta ficar triste, também não. Não é isso. Não é isso. O estômago revira rejeitando o que acabara de comer. Sente-se mal. Mas esse mal estar já estava ali, a comida apenas o catalizou. Balança a perna impaciente. Sorri. Lembra de coisas engraçadas. Nada. Estranho. Dobra as roupas jogadas na cadeira do quarto. Guarda-as. Fita-se no espelho tentando encontrar o que a aflige. Os pés descalços sentem poeira no chão. Decide varrer. Aproveitou e passou um pano úmido. Tenta encontrar algum indício dentro de si. Tenta encontrar-se dentro de si. Olha em volta e olha o céu e já é de noite e não vê mais a árvore. Troca de música de novo. Pensa em comida e sente náuseas, pensa em alegrias, pensa no que costuma pensar, mas nada disso é atraente. Joga-se na cama e olha o teto branco e a luz branca e fecha os olhos e escuta a música e olha para dentro de si e se levanta suspirando e vai até a porta da casa e olha o cachorro e olha o céu e sente a brisa e olha o cachorro de novo e ele dorme e o acorda e ele balança o rabo e volta a dormi e ela também volta pro quarto e pensa nas coisas que tem que fazer, mas não quer fazer nada e se joga na cama, dessa vez de bruços, mas o colchão ruim dói as costas e se vira e olha a tela do computador e fecha os olhos e tem vontade de dormir. E novamente o copo com café chama a atenção e se levanta e bota o copo na pia. Acende a luz do quarto, mas logo em seguida apaga. Decide escovar o dente. Penteia os cabelos. Toma banho, demora no chuveiro até ficar murcha. E sai e as coisas estão em silêncio, mas o som está ligado e ela troca de roupa e se olha no espelho e examina as manchas do nariz, olha a cutícula e pensa que tem que cortar as pontas dos cabelos. Os olhos enormes e brilhantes nada dizem e ela senta na cama e olha o armário e as coisas que permanecem fora do lugar e se deita e fecha os olhos, se tapa, mas está calor, joga cobertor pra fora da cama e olha a tela do computador e suspira e o estômago revira e volta-se para a parede e tem sede. Levanta-se, toma água, e senta no sofá, mas volta para o quarto. Fecha os olhos e passa as mãos pelos cabelos e uma sensação de esquecimento continua. E procura, mas luta e se cansa e se rende.

Por fim, nada.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Modo Poético

um poema
não é o pensamento
ou o expressá-lo.
Não é o como
entre tantas formas
dum dizer-se se
dizer.
Pois que o poema
parece ser
a sucessiva
afirmativa dum
não.
Ou a negação
veemente
duma afirmação
sucessiva.
Qualquer coisa antitética.
Qualquer forma vária
que plana
mas não se adivinha.
Pois só é possível
duvidá-la,
a ela de si mesma,
subtraí-la.
Obter a forma final,
o produto da equação,
no mecanismo
matemático
infindável, cuja incógnita
terá solução
quando a equação,
cifrada à sua forma, revela
a matéria vaga
do nada, isto é,
um poema


Valete, Fratres.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

...

Correu até exaustão
Sem forças tombou à beira da estrada.
Os transeuntes apressados empurravam com o calcanhar aquele corpo inerte tirando-o do caminho.
Com a fraca consciência que lhe restava ficou em paz o seu espírito aguardando um milagre.
Esvaiu-se em pó.
O samaritano jamais viera.





Esse é um poema velho... Acho que 2006 ou 2007, sei lá, não me lembro bem. O fato é que eu ainda não consegui pensar num título para esse poema. Estranho, né?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Shinobi e sua vítima

Aquela que sempre só
cruzava as avenidas,
De súbito, e qual o espanto,
encontrou no olhar d'um estranho
a vida que não conhecia.

O fragmentar do destino, a incoerência,
a quebra das certezas, o outro
em desejo.
Ardendo-se ela
temeu, tentou resistir.
Por fim,
num suspiro de alívio,
rendeu-se.

Agora a casa, o cheiro, o cobertor,
a barba, o cigarro, o sexo,
o olhar, o não dito, o temor,
O eu te amo, o perder-se em
mil pedaços...O já não ser
e estar inteira
no ser amado.



Estreiando o blog com um poeminha criado na aula de Língua Latina II ^__^.
O bom de fazer um blog com o conhecimento dos amigos é esperar pelos comentários, né Raquel? Né, Priscila? Né, Gleica, Robson, André? É claro que as poesias do Diogo e as minhas não são lá grandes coisas (diga-se de passagem, que gosto mais das poesias do Diogo do que das minhas!), mas a gente tenta e ainda jura que é poeta!
Comentem!