terça-feira, 15 de junho de 2010

Kaze

O sol está se pondo. O vento balança a árvore a frente de minha janela. A mesma árvore há 23 anos. A vida, lá fora, ao longe, pulsa. Aqui dentro, apenas o rascunho de uma aspirante a viva. Uma melodia angustiante repete-se infinitamente. Notas graves tocam a minha dor, expondo a minha vergonha. Os meus olhos, mais cansados... As minhas ilusões, mais fracas...
Enquanto for o tempo, a vida que não muda. O “eu” que não aceita. As duras penas, o pés sangrando. Sem mais uma oração. Sem mais um deus. Sem nenhuma esperança. O ontem, melhor que hoje, o futuro que nunca chegou. Os passos na estrada. A música continua, não para, e nós caminhamos, para o nada.
Imploro ao vento que me acaricie, uma vez mais. Não retires, tu também, o que me destes. Ah... sinto-o entrando, balançando a cortina, levantando os meus cabelos, fazendo doer o que escondo. A ansiedade. A vida. A morte. O fim. A esperança. Sempre haverá esperança. Nas mais sangrentas batalhas, esperamos, esperamos, esperamos um milagre.
Esta sou eu. A garota que pediu um milagre. Dói. Queria partir-me como essas notas que descem, essas cordas, esse teclado, amarelado, tão triste, tão lento. Dói. E eu peço para que o vento me leve. Que espalhe a minha melodia. Que dissipe os meus medos e eleve minhas esperanças.
Silêncio.
Talvez o vento também tenha se cansado. E eis que ouço o farfalhar das folhas. Eis que estou a postos, a espera, do vento. Brisa renovadora que sempre me visita. Não há quem me conheça mais, além de ti. Vento.
Que corta o meu rosto, violenta meus olhos... Vento, que me viu chorar as partidas, que enraizou em mim a solidão.
Está sempre por perto. Chego a ver a tua face. A noite se apressa em cobrir a terra, e eu mergulho na dor. Na dor de ter uma dor. Na dor de não ter nada. Na dor de sentir saudade da esperança.
Lanço a mim um olhar de repulsa e argumento, mas imploro que o vento me ache. Por essas ruas, becos e avenidas, por favor ache-me, me acaricie. Não me deixes tu também. E, a música diz-me que me entende. E expressa a minha angustia, e me faz sofrer, por espelho. Do pó que vim, do nada que sou. Da dor sem fim. Da dor sem dor. Do eu sem mim.
Já agora a arvore é apenas uma silhueta a minha janela. Vejo-me, eu enxergo a dor em meu peito e poderia até pegá-la se erguesse o meu braço com vigor. Os dias ainda são coloridos. Outrora foram cinza. Amanhã, eu não sei. Tenho a terrível sensação de estar esquecendo algo. O meu peito revolve em dor. Rasgo-me. Estilhaço-me a procura. E caio, de joelhos, prostrada. Sem nada. Nada.
Mas eis que me vens, vento, e sussurras ao meu ouvido. Os meus joelhos ainda tremem. Resignada, levanto-me da sarjeta em que me encontrava.
Ontem, perguntei-me, pela primeira vez , “o que estou fazendo aqui?”, e você estava comigo, foi testemunha ocular da minha ação desesperada. Mas tão sincera. Tão verídica. Tão latejante. E eu fui embora, e ao meu redor, tu dançavass, estavas frio, é verdade. Mas eu queria sentir frio, queria sentir minha pele enrijecer. Por favor, eu te pedi, faça com que eu treme.
E, fomos nós, para um lugar, onde eu pude me entregar a dor. E eu fechei a janela ti deixando do lado de fora, mas eu escutava a tua voz, as tuas palavras. Sei que muitas coisas tens visto, e eu sei que sou a tua preferida. Por isso nunca me abandonas. Se eu não te tiver, vento, quem mais terei?
Sou cárcere da minha própria punição. Tu és o meu único refúgio. Neguei a mim mesma, tantas vezes! E, sempre voltei, incapaz de me enquadrar. E lá estavas, a minha espera.
Essa dor, que cresce, como uma música, levando-me ao extremo. Sofro.
Já não há nada na janela. Nem vultos, nem árvores velhas. Mas há a tua voz. Ecoa, e ecoará por toda a eternidade. Chorarás com a minha partida? Leve-me com você.
E dói. E eu corro.E continua doendo.
A lua sorri do céu. Encolho-me diante da minha solidão. E dói. Eu sofro. E eu nada.
Sopre mais uma vez. Derrube os meus alicerces. Leve-me ao pó.
Acaricie-me mais uma vez, por toda a eternidade, mais uma vez, para sempre. Meu único amigo.

2 comentários:

  1. eia o Vento!!!
    o eu profundo!!
    o Silêncio!

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  2. suas palavras tão profundas me fazem viajar para dentro de você...
    tentando entender o que pensa essa mente brilhante!

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