quarta-feira, 19 de maio de 2010

Palidez

E novamente e aqui e de novo e nada muda e em silêncio permanece e continua permanecendo e todas as coisas parecem fora do lugar embora estejam onde sempre estiveram. E olha-se por cima dos ombros e olha-se no espelho verificando se as coisas estão onde deveriam estar e olha ao redor examinando o quarto e as prateleiras continuam com suas poeiras e as sandálias continuam viradas atrás da porta. Transita pela casa observando os espaços em busca de algo que justifique a agonia e ansiedade. Volta para o quarto, examina a bolsa e olha-se no espelho e os olhos continuam no lugar, o nariz ainda é o mesmo, um pouco grande, no centro do rosto. A cama está um tanto quanto franzida, um copo com água pela metade em cima da mesa, um lápis, uma xícara de café com seu líquido velho e sujo, esquecido há dias, causando asco. Nada. Quase leva um susto e força a memória para tentar lembrar. Mas lembrar de que? Jamais soube. Franze o cenho e olha-se novamente no espelho e anda pela casa e abre a geladeira e volta para o quarto e olha pela janela e vê a árvore balançar com o vento. Troca de música, mas também não é isso. Mastiga qualquer coisa encontrada na geladeira. Olha ao redor. Tenta ser feliz. Não dá certo. Tenta ficar triste, também não. Não é isso. Não é isso. O estômago revira rejeitando o que acabara de comer. Sente-se mal. Mas esse mal estar já estava ali, a comida apenas o catalizou. Balança a perna impaciente. Sorri. Lembra de coisas engraçadas. Nada. Estranho. Dobra as roupas jogadas na cadeira do quarto. Guarda-as. Fita-se no espelho tentando encontrar o que a aflige. Os pés descalços sentem poeira no chão. Decide varrer. Aproveitou e passou um pano úmido. Tenta encontrar algum indício dentro de si. Tenta encontrar-se dentro de si. Olha em volta e olha o céu e já é de noite e não vê mais a árvore. Troca de música de novo. Pensa em comida e sente náuseas, pensa em alegrias, pensa no que costuma pensar, mas nada disso é atraente. Joga-se na cama e olha o teto branco e a luz branca e fecha os olhos e escuta a música e olha para dentro de si e se levanta suspirando e vai até a porta da casa e olha o cachorro e olha o céu e sente a brisa e olha o cachorro de novo e ele dorme e o acorda e ele balança o rabo e volta a dormi e ela também volta pro quarto e pensa nas coisas que tem que fazer, mas não quer fazer nada e se joga na cama, dessa vez de bruços, mas o colchão ruim dói as costas e se vira e olha a tela do computador e fecha os olhos e tem vontade de dormir. E novamente o copo com café chama a atenção e se levanta e bota o copo na pia. Acende a luz do quarto, mas logo em seguida apaga. Decide escovar o dente. Penteia os cabelos. Toma banho, demora no chuveiro até ficar murcha. E sai e as coisas estão em silêncio, mas o som está ligado e ela troca de roupa e se olha no espelho e examina as manchas do nariz, olha a cutícula e pensa que tem que cortar as pontas dos cabelos. Os olhos enormes e brilhantes nada dizem e ela senta na cama e olha o armário e as coisas que permanecem fora do lugar e se deita e fecha os olhos, se tapa, mas está calor, joga cobertor pra fora da cama e olha a tela do computador e suspira e o estômago revira e volta-se para a parede e tem sede. Levanta-se, toma água, e senta no sofá, mas volta para o quarto. Fecha os olhos e passa as mãos pelos cabelos e uma sensação de esquecimento continua. E procura, mas luta e se cansa e se rende.

Por fim, nada.

Um comentário: