sexta-feira, 21 de maio de 2010

Modo Poético (II)

Um poema (do nada):
vaga anatomia.
Quando a merencória equação
se resolverá?
Infindável incógnita
matemática.
Ara e semeia
a seara – poesia.
Colhe a palavra
fruto,
sentido e forma
afora –
Ah, voluptuosas
curvas da metáfora,
há quanto resisto
a tua investida imprópria,
a tua fácil carcaça?
Há quanto
roço-me em tua
epiderme,
teus beiços e tuas tetas
e mesmo assim
te manténs inviolada?
Poesia incauta,
dedico a vida
atrás da perfeição –
porém sequer
lhe distingo
a feição, a silhueta.
Escarro sobre
a folha
o que me resta,
estas palavras
hepáticas,
amarelecidas –
um rastro vago
do que seria poesia.
Duvidá-la,
a ela de si mesma,
subtraí-la.

Eis a única
ideia válida
que o rebuliço
do meu pensamento
um dia pariu.
Já o resto...
o que vale
o resto de quem
as sobras são
o suficiente?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Palidez

E novamente e aqui e de novo e nada muda e em silêncio permanece e continua permanecendo e todas as coisas parecem fora do lugar embora estejam onde sempre estiveram. E olha-se por cima dos ombros e olha-se no espelho verificando se as coisas estão onde deveriam estar e olha ao redor examinando o quarto e as prateleiras continuam com suas poeiras e as sandálias continuam viradas atrás da porta. Transita pela casa observando os espaços em busca de algo que justifique a agonia e ansiedade. Volta para o quarto, examina a bolsa e olha-se no espelho e os olhos continuam no lugar, o nariz ainda é o mesmo, um pouco grande, no centro do rosto. A cama está um tanto quanto franzida, um copo com água pela metade em cima da mesa, um lápis, uma xícara de café com seu líquido velho e sujo, esquecido há dias, causando asco. Nada. Quase leva um susto e força a memória para tentar lembrar. Mas lembrar de que? Jamais soube. Franze o cenho e olha-se novamente no espelho e anda pela casa e abre a geladeira e volta para o quarto e olha pela janela e vê a árvore balançar com o vento. Troca de música, mas também não é isso. Mastiga qualquer coisa encontrada na geladeira. Olha ao redor. Tenta ser feliz. Não dá certo. Tenta ficar triste, também não. Não é isso. Não é isso. O estômago revira rejeitando o que acabara de comer. Sente-se mal. Mas esse mal estar já estava ali, a comida apenas o catalizou. Balança a perna impaciente. Sorri. Lembra de coisas engraçadas. Nada. Estranho. Dobra as roupas jogadas na cadeira do quarto. Guarda-as. Fita-se no espelho tentando encontrar o que a aflige. Os pés descalços sentem poeira no chão. Decide varrer. Aproveitou e passou um pano úmido. Tenta encontrar algum indício dentro de si. Tenta encontrar-se dentro de si. Olha em volta e olha o céu e já é de noite e não vê mais a árvore. Troca de música de novo. Pensa em comida e sente náuseas, pensa em alegrias, pensa no que costuma pensar, mas nada disso é atraente. Joga-se na cama e olha o teto branco e a luz branca e fecha os olhos e escuta a música e olha para dentro de si e se levanta suspirando e vai até a porta da casa e olha o cachorro e olha o céu e sente a brisa e olha o cachorro de novo e ele dorme e o acorda e ele balança o rabo e volta a dormi e ela também volta pro quarto e pensa nas coisas que tem que fazer, mas não quer fazer nada e se joga na cama, dessa vez de bruços, mas o colchão ruim dói as costas e se vira e olha a tela do computador e fecha os olhos e tem vontade de dormir. E novamente o copo com café chama a atenção e se levanta e bota o copo na pia. Acende a luz do quarto, mas logo em seguida apaga. Decide escovar o dente. Penteia os cabelos. Toma banho, demora no chuveiro até ficar murcha. E sai e as coisas estão em silêncio, mas o som está ligado e ela troca de roupa e se olha no espelho e examina as manchas do nariz, olha a cutícula e pensa que tem que cortar as pontas dos cabelos. Os olhos enormes e brilhantes nada dizem e ela senta na cama e olha o armário e as coisas que permanecem fora do lugar e se deita e fecha os olhos, se tapa, mas está calor, joga cobertor pra fora da cama e olha a tela do computador e suspira e o estômago revira e volta-se para a parede e tem sede. Levanta-se, toma água, e senta no sofá, mas volta para o quarto. Fecha os olhos e passa as mãos pelos cabelos e uma sensação de esquecimento continua. E procura, mas luta e se cansa e se rende.

Por fim, nada.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Modo Poético

um poema
não é o pensamento
ou o expressá-lo.
Não é o como
entre tantas formas
dum dizer-se se
dizer.
Pois que o poema
parece ser
a sucessiva
afirmativa dum
não.
Ou a negação
veemente
duma afirmação
sucessiva.
Qualquer coisa antitética.
Qualquer forma vária
que plana
mas não se adivinha.
Pois só é possível
duvidá-la,
a ela de si mesma,
subtraí-la.
Obter a forma final,
o produto da equação,
no mecanismo
matemático
infindável, cuja incógnita
terá solução
quando a equação,
cifrada à sua forma, revela
a matéria vaga
do nada, isto é,
um poema


Valete, Fratres.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

...

Correu até exaustão
Sem forças tombou à beira da estrada.
Os transeuntes apressados empurravam com o calcanhar aquele corpo inerte tirando-o do caminho.
Com a fraca consciência que lhe restava ficou em paz o seu espírito aguardando um milagre.
Esvaiu-se em pó.
O samaritano jamais viera.





Esse é um poema velho... Acho que 2006 ou 2007, sei lá, não me lembro bem. O fato é que eu ainda não consegui pensar num título para esse poema. Estranho, né?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Shinobi e sua vítima

Aquela que sempre só
cruzava as avenidas,
De súbito, e qual o espanto,
encontrou no olhar d'um estranho
a vida que não conhecia.

O fragmentar do destino, a incoerência,
a quebra das certezas, o outro
em desejo.
Ardendo-se ela
temeu, tentou resistir.
Por fim,
num suspiro de alívio,
rendeu-se.

Agora a casa, o cheiro, o cobertor,
a barba, o cigarro, o sexo,
o olhar, o não dito, o temor,
O eu te amo, o perder-se em
mil pedaços...O já não ser
e estar inteira
no ser amado.



Estreiando o blog com um poeminha criado na aula de Língua Latina II ^__^.
O bom de fazer um blog com o conhecimento dos amigos é esperar pelos comentários, né Raquel? Né, Priscila? Né, Gleica, Robson, André? É claro que as poesias do Diogo e as minhas não são lá grandes coisas (diga-se de passagem, que gosto mais das poesias do Diogo do que das minhas!), mas a gente tenta e ainda jura que é poeta!
Comentem!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Horas

Não caminham senão galopam

os ponteiros.

Por detrás do morro que faz a corcova

sobre a escrivaninha:

suporta a infância a memória

que ruma – desnorteada –

ávida de encontrar o fim da estrada

que não encontra senão a metade.


Mais penosa a volta que a ida.

Mundo de ires e vires.

Condensa-se nos ponteiros do relógio,

nas horas.

Toda coisa resumida a doze algarismos

que os ponteiros passam sobre –

e ignoram